Depois da surpresa que foi o Joker de Joaquin Phoenix lançado em 2019, a Warner Bros. Pictures surpreende-nos novamente com um olhar diferente e artístico numa velha e familiar lengalenga.
É extremamente correto afirmar que The Batman era um dos filmes mais esperados do ano. Este é realizado por Matt Reeves, realizador que teve um grande papel na nova saga do Planeta dos Macacos e que neste filme explora a realidade de um outro mamífero. Mesmo antes do seu lançamento, o filme sempre foi motivo de conversa (afinal, é um novo filme do Batman), principalmente devido à controversa escolha de Robert Pattinson como Bruce Wayne.
De acordo com a sinopse, o noir com a duração de quase 3 horas conta a história do multimilionário solitário (e emo) Bruce Wayne no início da sua carreira como Batman. Entre a rede corrupta de funcionários e figuras proeminentes da cidade, o vigilante solitário estabeleceu-se como a personificação da vingança entre os seus cidadãos.
Esta interpretação de Gotham é talvez a mais melancólica de todas dentro do universo cinematográfico. É de fácil compreensão o quanto a morte dos pais de Bruce afetou o ambiente existente na mansão Wayne. Este sentimento é refletido em algumas cenas com o personagem Alfred Pennyworth (interpretado pelo Andy Serkis), mordomo e a única figura que resta ao morcego e claramente no próprio Bruce Wayne. Também há dor, angústia, tristeza e perda presentes nas vidas de outros personagens e a disparidade na forma como estas lidam com a situação é muito interessante.
Numa visão mais estética, a cidade é estranhamente vistosa. Tem grandes semelhanças com a Gotham da trilogia de jogos Batman: Arkham da Rocksteady juntamente com alguns elementos do Batman: The Telltale Series. Ou seja, são cidades muito escuras. Mas não é uma luminosidade que impossibilita de ver o filme, porque para além da existência de billboards sobressalentes pelos edifícios, este explora diferentes tons de escuridão, juntamente com vermelhos e laranjas muito fortes.
“The Batman” dá realmente sentido ao artigo definido que é utilizado (the) e é isso que destaca a representação deste universo dos restantes. Normalmente os filmes do Batman exploram a dinâmica do Batman contra o que este acredita serem ameaças como o famoso Batman contra o Joker ou o criticamente (não aclamado mas sim) esmurrado Batman contra o Super-Homem. Neste filme, para além de uma dinâmica com o vilão existe uma dinâmica do Batman contra o próprio.
Falando das figuras antagonistas do Batman, temos o Pinguim (Colin Farrell) que neste filme nem é retratado como uma ameaça, o que sinceramente só prova o quão crítica está a situação desta cidade. Não consigo identificar se foi de forma intencional mas (muitas pessoas parecem concordar comigo no facto de que) a personagem serviu de alívio cómico ao filme e para além da incrível caracterização, pareceu clara a diversão que o ator teve a participar na obra. Citando uma sequência do filme em concreto para os que o viram (ou para os que não se importam com spoilers), apesar de “El Rata Alada” ser uma cena importantíssima em termos do caso e uma característica de certos noirs, visto que demonstra que a resposta esteve sempre debaixo do nariz do personagem e o Batman, e por conseguinte o comissário Gordon (Jeffrey Wright), estiveram inutilmente a pensar demasiado na situação, é uma cena que facilmente tira gargalhadas do público.
Temos também a deslumbrante Zoë Kravitz que faz um incrível papel como Catwoman (tanto neste filme como no pequeno papel em The Lego Batman Movie). Esta é outra personagem que no filme lida com a perda de alguém que lhe é querido, neste caso, Annika, uma mulher a quem a Catwoman chama de “baby“, o que pode estar a implicar a implícita bissexualidade posteriormente confirmada da personagem. A Catwoman está também nos primórdios da sua jornada como vilã/anti-heroína e também interesse amoroso do Batman, que é desajeitado socialmente e que nitidamente quer mas nunca sabe como aproximar-se dela. Ela é um claro exemplo que evidencia o contraste citado anteriormente na forma de vingança ao lidar com uma perda (neste caso a contrastar com a perda sofrida pelo Wayne).
Até diria que o Riddler é o vilão principal do filme mas antes de falar sobre este personagem, parte desse título vai para todo o sistema corrupto de Gotham (tanto na política como na justiça). Achei surpreendentemente interessante o facto do filme ter referido, apesar de forma superficial, o tópico de Thomas Wayne (Luke Roberts) e a sua esposa, Martha Wayne (Stella Stocker), não são tão perfeitos como imaginávamos. Sinceramente tenho pena do pouco aprofundamento desse tema (podiam ter também sido adaptados outros atos menos corretos) e achei que houve uma rápida sensação de perdão dada pelo filho ao pai que podia ter sido melhor trabalhada, isto porque tocaram no assunto mas rapidamente passaram a culpa das suas ações para o Falcone (John Turturro).
The Riddler. Num universo destes, um Riddler como o do Jim Carrey, por mais icónico que seja, seria ilógico. Aqui, o antagonista tem como inspiração vários serial killers, o principal sendo o Assassino do Zodíaco. É o meu personagem favorito do filme e ironicamente, por mais séria que esta versão seja, para mim (e para a blogger Profissão Mãe) foi uma experiência hilariante. As transmissões ao vivo, estilo streamer amador, com os comentários de outros membros do culto criado por ele/a sua fanbase, realmente dão profundidade aos acontecimentos e aproximam o mundo de Gotham ao nosso. Outra cena digna de destaque são os acontecimentos após a sua captura, onde ocorre o habitual monólogo do vilão em que são explicados os seus propósitos, neste caso, desde os problemas sociais sofridos enquanto órfão até às mentiras em que a sociedade vive, comparando-se mesmo ao próprio Batman, dizendo de uma forma feliz que são farinha do mesmo saco e ambos são vigilantes e a reação do Bruce Wayne a tudo isto é chamar o assassino de doente mental. A partir deste ponto a expressão muda completamente e este percebe que o plano dele correu longe do planeado, o fanboy do Batman acabou de ser rejeitado pelo “role model” e sente-se totalmente ridículo, seguido de um grito de frustração.
Os últimos minutos tentam surpreender o público revelando um paciente no Asilo Arkham que menciona um palhaço e que tem um riso invulgar, talvez a anunciar o vilão da já confirmada sequela deste filme. Mas este presente deve ficar embrulhado e podem sem quaisquer remorsos usar o recibo para trocar de personagem porque o Joker precisa de descansar. Até porque o vilão deste filme já teve um papel de Joker no sentido de ser obcecado pelo herói. O Batman tem um grande histórico de vilões que ainda não foram e que deviam ser explorados no cinema. E peço também um Robin de brinde.
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